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domingo, 16 de julho de 2017

Como elementos que representavam o mau gosto entraram na moda

O que é beleza para você? Para Platão, era algo imaterial. Para Aristóteles, a harmonia de várias partes em relação ao todo. Já Kant e Hegel atestaram uma premissa que segue forte até hoje: a beleza é subjetiva e está nos olhos de quem a vê. Mas, para além do debate filosófico, há um forte movimento em curso no universo fashion. Trata-se de uma espécie de ode ao bizarro, uma estética particular e muito kitsch, que celebra as imperfeições e se tornou o suprassumo do cool.
Os mestres dessa nova tendência são a dupla Alessandro Michele, da Gucci, e Demna Gvasalia, da Vetements e Balenciaga. Michele, sucessor de Frida Giannini, mudou completamente a imagem da grife – antes muito sexy e bodyconscious, a label ganhou fãs como Jared Leto e Hari Nef graças a um novo estilo, marcado por sobreposições, brilhos, aplicações, mistura de padronagens e muitos acessórios, tudo junto e ao mesmo tempo.
Em um primeiro olhar, é tanta informação que chega a fazer doer a vista. Depois, por trás de cada item, é possível analisar a genialidade com que Michele constrói looks tão estranhos. “O trabalho dele prioriza o feio de maneira intencional, mas mostra grande conhecimento em história da arte”, pontua João Braga, historiador e professor de história da moda na Faap. O forte ar vintage das criações ajuda a dar um toque ainda mais pitoresco. “A moda sempre resgata elementos antigos e busca o que era diferente para usar como novidade”, destaca João.
Na mesma linha, Gvasalia transformou a Vetements em um dos big players do mercado graças a um olhar zero careta. “Vetements e Gucci não são iguais, mas farinha do mesmo saco. Elas dialogam com o mundo dos excessos e o exploram para dramatizar suas criações”, explica João. “Tudo que é novo é excêntrico a princípio. Ou você acha que Picasso, quando entrou na fase cubista, foi considerado lindo de cara?” Diferentemente da Gucci, mais barroca, Demna brinca com formas e proporções exageradas, como visto nos últimos desfiles da Balenciaga.
Vetements
(Vetements/Getty Images)
“Acredito que designers conceituais sempre colocam um ponto de interrogação sobre o que estão apresentando. Com a Vetements, não sabemos mais o que é luxuoso!”, pondera Judith Clark, curadora da exposição Te Vulgar – Fashion Redefnied, que fcou em cartaz até o começo deste ano em Londres. A mostra contava com mais de 120 peças, feitas desde o Renascimento até os dias de hoje, e levava em consideração o que era feio e não é mais e o que era sofisticado e agora é cafona.
Vale lembrar que, antes de Alessandro e Demna, muita gente fez história apostando no inusitado. “Nos anos 1990, Alexander McQueen e John Galliano abusaram da dramaticidade. Lacroix e Gaultier, dez anos antes, tinham uma estética que ia totalmente contra o minimalismo dos designers japoneses. Kenzo também foi vanguardista nos anos 1960 e 70. A questão da estranheza está muito ligada à transgressão”, define João Braga. Não podemos esquecer Miuccia Prada, que já declarou diversas vezes achar o feio mais interessante que o bonito.

A REBELIÃO DO FEIO

O segredo para captar o zeitgeist é entender que a celebração do mau gosto está muito ligada à busca por individualidade. “Essa tendência é mais representativa. Totalmente o oposto do que víamos com a exaltação do perfeito”, comenta Bruna Ortega, expert do bureau de tendências WGSN. “Os jovens são os grandes responsáveis por esse boom do bizarro. Eles buscam uma vida sem filtro que refita a identidade própria.” 
Nascida entre meados dos anos 1990 e meados da década de 2000, a geração Z busca incessantemente por diversidade e um visual único, que valorize a personalidade de cada um, em vez de agradar a todos. “Ela gosta de se destacar na multidão. Algo que é novo em comparação às gerações anteriores”, reitera David Stillman, especialista em geração Z e autor do livro Gen Z @ Work. “A principal preocupação é declarar sua individualidade, mais do que propriamente abraçar a feiúra.”
O hype do mau gosto chega também a outras áreas. Na beauté, Amanda Schon já falou sobre “desconstruir a maquiagem” e apostou em um make borrado para a estreia da Just Kids na SPFW, no ano passado. Em Milão, a label Moto Guo ressaltou a acne dos modelos, em uma celebração do que é considerado imperfeito. “Reparem na nova estética do Instagram da Kim Kardashian. Ela posta fotos que às vezes não a valorizam, com sombras que ressaltam suas olheiras”, avalia Bruna Ortega. 
Na arquitetura, um site chamado Realtor reparou que antes as pessoas descreviam sua casa em anúncios como ‘humilde ou retrô’. Hoje, preferem ‘feia, mas próxima da praia, ou totalmente acabada’. Os defeitos são sinônimo de autenticidade.”
Exemplo disso é o perfil no Instagram Ugly Belgian Houses, um apanhado de casas feias na Bélgica, que acumula quase 40 mil seguidores. Essa busca por algo que foge dos padrões resultou também no app Beme, desativado em janeiro após ser comprado pela rede CNN. Ele funcionava como o Snapchat, com a diferença de que não dava para ver na tela o que era filmado, obrigando o usuário a olhar diretamente para o que estava registrando. Depois, era possível enviar o vídeo para uma pessoa e assistir a reação dela ao vivo. Resumo: um conteúdo impossível de editar, menos calculado esteticamente e mais espontâneo.
Por Fernanda Jacob