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domingo, 16 de julho de 2017

Uma reflexão sobre Futuro, Moda e Sustentabilidade

Desfile da Osklen no SPFW N43 ©Agência Fotosite
DESFILE DA OSKLEN NO SPFW N43 ©AGÊNCIA FOTOSITE
Por Larissa Roviezzo
“Estamos diante de um novo ciclo, de um novo momento, de um novo mundo. Mudanças disruptivas, processos inovadores, tudo se transforma. Ficar parado achando que o mundo vai ser o que foi, não vai acontecer”, Paulo Borges.
Inspirada pelas palavras de Paulo Borges ao descrever a 43ª edição do SPFW, achei pertinente fazer uma reflexão sobre futuro, moda e sustentabilidade, porque afinal de contas essas três palavras caminham juntas para transformar a indústria de acordo com as diversas mudanças que vemos hoje em dia. Da mesma maneira que existe um movimento para evidenciar o valor do artesanato e dos maravilhosos artesãos, que para mim são os grandes guardiões da cultura, existe também uma onda tecnológica com as técnicas 3D, os wearables e toda essa inovação criativa assumindo novos papeis, reinventando e agregando funções na indústria da moda. Isso exclui um ao outro? Não!
Movimentos de consumo consciente e “slow” estão cada vez mais fortes, fazendo as pessoas reverem seus atos, serem menos impulsivas e reavaliarem as conseqüências de suas ações. Ao mesmo tempo, chegamos no auge da velocidade do acesso e disponibilidade. Um exemplo disso é a nova onda do “see now buy now”, em que é possível comprar o que acaba de ser mostrado na passarela. E será que dá para lutar contra? Existe uma verdade absoluta? Não!
Reeducar os consumidores é fundamental e, ao mesmo tempo, o maior desafio. O fato é que a nossa economia é baseada no consumo, e se o consumismo está mesmo com os dias contados, surgirá uma nova estrutura social. Porém, é ele que movimenta nossas vidas, nos dá trabalho e dinheiro para sobreviver. 

A ideia de economia circular com certeza é nossa grande promessa, e merece um texto para refletirmos a respeito. Mas a grande questão aqui é esse processo de transição que estamos enfrentando e que carrega a beleza das oportunidades. Isso Paulo definiu bem no vídeo: “impactos, com novos pactos (…) fazer o futuro agora”. A verdade é que a indústria do vestuário é a segunda que mais polui, ficando atrás apenas da indústria do petróleo.
Representamos 10% das emissões globais de carbono, mais de 90% do algodão é geneticamente modificado, usamos globalmente 24% de todos os inseticidas e 11% de todos os pesticidas, afetando o solo e a água. Entre 17% e 20% da poluição industrial da água vêm do tingimento e tratamento têxtil, que têm seus resíduos despejados em fontes de água doce. O que vale frisar também é que não apenas a produção de matéria-prima é poluente, mas também a lavagem e o cuidado do consumidor com as peças influenciam no meio ambiente.

Um vídeo da National Geographic ilustra bem o tópico. Globalmente, estima-se que cerca de 70 milhões de barris de petróleo são usados todos os anos para fazer fibra de poliéster, e que a mesma demora mais de 200 anos para se decompor (a verdade é que não sabemos ainda como funciona essa decomposição!). Já vimos que a indústria da moda é o segundo maior poluidor de recursos de água doce do planeta, e os micro plásticos que saem das roupas sintéticas, geralmente quando lavamos, é um dos principais problemas encontrado nos litorais, ameaçando a vida marinha e, obviamente, interferindo na nossa cadeia alimentar. Isso tudo sem mencionar a indústria do couro e os números absurdos de descarte de roupa em aterros.

Com todo esse impacto, temos muitas oportunidades e necessidades pela frente. A reciclagem de fibra têxtil está em processo de desenvolvimento, e os resultados estão começando a aparecer na nossa indústria. Mas a verdade é que além da qualidade da fibra de algodão reciclado, por exemplo, ser baixa, ainda não há solução para reciclagem de tecidos mesclados. Em vez de observar passivamente, será que não podemos criar soluções? Afinal de contas, como Paulo disse, “somos uma economia criativa… ela é compartilhada e de afetos. São esses novos afetos, essas novas ideias, esse novo momento que pede coragem, que pede força, que pede um avanço de processo”. Investimentos em tecnologia têxtil, diminuição no impacto de energia e recursos naturais, novas estratégias de desenvolvimento de produto e novas maneiras de fazer negócios são algumas das oportunidades. Agora, cabe a nós designers, consumidores e profissionais do ramo, discutirmos a respeito com pró-atividade.
A verdade é que num futuro nem tão distante assim, empresas não lucrarão se não olharem para as pessoas e para o planeta. Esses três princípios – lucro, pessoas e planeta -, terão o mesmo peso na balança. Talvez o discurso sustentável carregue um certo peso muitas vezes pela cobrança, pela “prestação de contas” e abordagem de novas praticas que o conceito propõe, mas vamos tá na hora de entender melhor esse conceito e ir além do estereotipo “green” ou ecologicamente correto. A ética e moral já não são um detalhe escondido na maneira de fazermos negócios e cada vez mais a transparência se faz necessária. “Quem fez minha roupa” (Fashion Revolution), onde, quando, como,… enfim, são perguntas e campanhas em prol da transparência, da honestidade e da consciência que não dá para ignorar. Humanização! Somos uma indústria feita por pessoas e para pessoas. Qual o valor do trabalho humano?
A moda é o palco para criatividade, inovações, expressa sentimento e identidade, fascina, é arte, agrega, gera emprego. Não apenas influencia consumidores, mas também tem força econômica de um setor que pode sim, reavaliar e buscar soluções inteligentes. Esse texto é para lembrarmos que não só os tempos estão mudando, mas os valores também. “Ficar parado achando que o mundo vai ser o que foi, não vai acontecer”, como definiu Paulo.